Medo, medo, medo...


O medo caminha ao lado da humanidade desde o começo. Desde logo antes da queda. Eu mesmo acredito que o medo causou, ou fez parte, dessa "ruptura" ou "mudança" - de algo que era antes, talvez bom, talvez incompleto; talvez uma hipótese, talvez uma alegoria. Mas é algo em que acredito. Você pode chamar de queda de Adão ou expulsão do paraíso, e pode muito bem não chamar de nada.

O fato é que o medo é um velho conhecido das gentes. Às vezes esquecido, às vezes subestimado, ou simplesmente varrido para debaixo do tapete, mas sempre ali, observando.

Se Bittencourt tem medo, se deu medo em Leandro e Leonardo e até Belchior teve medo 
"Eu tenho medo e já aconteceu
Eu tenho medo e inda está por vir
Morre o meu medo e isto não é segredo"

 - que se dirá de mim.

Medo, essa pantera negra, que nos espreita o caminho para devorar-nos o coração de uma abocanhada. Eu conheço o medo, até o embalei, inclusive o alimentei em certo momento de minha vida. Eu conheço o medo - afinal, quem não conhece? Medo do desconhecido, medo do perigo, medo de bichos, medo de gente e - o maior dos maiores - medo de morrer. Quanto a isso, já Augusto dos Anjos alucinava à Beira-mar:

"Um medo de morrer meus pés esfriava.
Noite alta. Ante o telúrico recorte,
Na diuturna discórdia, a equórea coorte
Atordoadoramente ribombava!"

Mas o medo é uma ferramenta do intelecto humano - ou seria do instinto animal? - basicamente um alerta de perigo, um aviso de sobrevivência. "O homem que entra numa batalha sem sentir medo morrerá logo", epigrafou Conan, o Bárbaro. É normal ter medo - ou inútil ter medo - para nós que não vivemos mais entre outras feras que não as de nós mesmos, e a despeito do abandono das cavernas e da extinção dos Dentes de Sabre.

A sabedoria do Tao Te Ching ensina sobre a importância e função do medo. Assim, quem tiver ouvidos, que ouça; e olhos, que leia:

"Quando as pessoas não temem o que realmente lhes causa mal 
(como egoísmos e desejos desenfreados)
então o grande pavor da morte logo as domina" - Edição Kindle

"Aquele que vive com medo, não pode chegar a ser forte. O poder da consciência pode ser ganho só se se vive sem medo". 

O Mestre ensinou: "Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado."
Em outras palavras: não temam o dia de amanhã. Cuidem do agora.

Já o finado presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, dizia que "A única coisa que devemos temer é o próprio medo". 

Assim, só posso concluir que o medo tem sua razão. Sim, ele é um visitante incômodo, pouco estimado e bastante criticado, mas tem seu propósito. 

O medo pode ser encarado como uma ferramenta, ou um servo bom e fiel, talvez fiel demais, um tanto burro - quiçá maçante - dono do mau costume de levar as coisas ao pé da letra, de ser bem literal em suas ações.

Cabe a você ser mestre de seus medos, eles existem para o bem de sua existência. Podem ser irritantes, paralisadores ou assassinos. Quem sabe é você. Eu não aconselharia ninguém a se livrar ou aniquilar seus medos: apenas seja mais forte, sábio e livre que eles. Ouças seus sábios conselhos, que, ouvidos, os transformam em simples receios, o que permite a um homem se preparar para a mudança do vento. 


Quando respeitados, os medos tornam um homem precavido.

Mas se você permitir que o temor se imponha a seu livre arbítrio, você se tornará escravo. Deus te fez livre, mantenha-se assim. O medo caminhará com a humanidade mais um pouco e talvez, um dia, será reconhecido e posto em seu lugar. Vidas não serão mais tomadas por obra de seu domínio, nem vividas pela metade.

Seja você também, como no poema Invictus de William Ernest Henley, o mestre de seu destino e o capitão de sua alma.





Eu não devo ter medo. Medo é o assassino da mente. Medo é a pequena morte que leva à obliteração. Eu enfrentarei o medo. Permitirei que passe por cima de mim e me atravesse. E, quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver seu rastro. Onde o medo tiver passado, nada haverá. Somente eu permanecerei.

- O Livro de Duna, de Frank Herbert




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